FOLHA DE SP
No segundo ataque a um fórum do Estado de São Paulo no intervalo de 15 dias, uma quadrilha invadiu um prédio da Justiça em Diadema, no ABC paulista, e roubou 391 armas, incluindo revólveres, pistolas, três submetralhadoras e um fuzil.
A ação na noite de sábado (17) foi semelhante a outra, no último dia 3, em Guarujá, no litoral paulista, quando bandidos levaram 175 armas do fórum criminal da cidade.
Os dois assaltos, que transferiram 566 armas no total para as mãos de criminosos, refletem um problema alertado por especialistas desde a última década: a fragilidade da Justiça em garantir a guarda do armamento apreendido em ocorrências criminais.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Paulo Dimas Mascaretti, reconhece as deficiências e diz que comarca “não é depósito de arma”. “Os fóruns não têm estrutura para isso. Mas também não podemos esvaziar os espaços do dia para a noite. Esse serviço é controlado pelo Exército”, disse à Folha.
Mascaretti avalia que os crimes deste mês podem estar relacionados. “Eles agiram do mesmo modo nos dois casos e conheciam profundamente a rotina dos espaços.”
No ataque ao Fórum de Diadema, um grupo estimado em dez ladrões rendeu os três vigias que faziam a segurança do prédio todo. Ninguém se feriu nem foi preso.
Além dos crimes deste mês, um plano de ataque ao Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste) foi frustrado em abril, com a prisão de dois suspeitos de cavar um túnel a partir de um comércio desativado. As investigações apontaram que a intenção era roubar armas de grosso calibre do local que estão sob posse da Justiça.
ESTOQUE ZERO
Os novos casos ocorrem depois de uma parceria entre a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça e o Exército, com a justificativa de pôr fim ao armamento estocado nas 273 comarcas do Estado.
A operação teve início em fevereiro. Segundo Mascaretti, já foram retirados 11 mil objetos, entre facas e armas de fogo, dos fóruns paulistas –o presidente não soube estimar o tamanho do estoque.
A meta é zerar o depósito até o fim deste ano. “Essa movimentação tem chamado a atenção dos criminosos, que estão vendo que logo mais não terão chance de praticar o crime”, diz o chefe do TJ.
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Em uma outra frente para tentar reduzir o estoque, o tribunal fechou um acordo com a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e passou a doar armamento de grosso calibre que é mantido nas comarcas, como fuzis e metralhadoras, para as polícias Civil e Militar. Uma solenidade no dia 26 de maio repassou 37 fuzis para as forças de segurança.
Para Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública, é preciso fortalecer a estrutura das comarcas para garantir que as armas ainda estocadas não sejam roubadas. “Elas não deveriam estar lá. E estão lá em péssimas condições de espaço e sem guarda.”
Segundo Mingardi, a decisão do juiz também interfere nesse processo. “Muitos deles impedem a destruição da arma porque avaliam que elas são uma importante prova.”
Hoje, no Brasil, uma arma apreendida numa ocorrência criminal segue para a Polícia Civil, onde é periciada. Um laudo e a arma são encaminhados para a Justiça, que faz a guarda do objeto até a conclusão do processo. Ela então é destruída –ou, em alguns casos, doada às polícias.
Uma norma recente do TJ mudou esse fluxo em São Paulo. Há dois meses, as armas ficam sob a guarda da polícia após a conclusão da perícia. Só retornam aos fóruns em caso excepcional –por exemplo, a pedido de advogados.
Para Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, a medida representa um avanço, embora tardio. “Pelo menos impediu o aumento dos estoques nas comarcas”, afirma. “O que não pode é mudar o endereço dos estoques. Arma apreendida precisa ser periciada e destruída.”
FRAGILIDADE
As fragilidades na segurança das armas guardadas em fóruns tanto do Estado de São Paulo como do país são alvo de alertas de especialistas desde a década passada.
Em 2009, a Folha mostrou que havia 240 mil armas estocadas em tribunais paulistas com segurança precária. Na ocasião, a reportagem conseguiu entrar e sair de um prédio onde esse armamento era guardado sem dar satisfação a ninguém.
O arsenal era armazenado em meio a provas variadas em 678 prédios da Justiça, que contavam com só 350 vigilantes –e uma minoria com cofres e sistemas eletrônicos.
O TJ não informou a quantidade estimada de armas estocadas hoje.
Em 2011, monitoramento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estimou haver mais de 755 mil armas e acessórios estocados em tribunais de Justiça do país inteiro.
Um levantamento feito no mesmo ano pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) mostrava que, entre 2004 e 2011, 3.266 armas haviam sido roubadas de fóruns no Brasil –mais de uma por dia.