Além de aulas como história, geografia e matemática, crianças e adolescentes aprendem temas de segurança pública
Diário de Santa Maria
As quartas-feiras seriam dias normais de aulas na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Renato Nocchi Zimmermann, em Camobi, não fosse por dois detalhes: no lugar do professor, quem passa o conteúdo é um policial militar, e, em vez de ciências ou história, a matéria é segurança pública.
É que, há cerca de dois meses, a escola faz parte do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) da Brigada Militar (BM). Localizada em uma das áreas conflagradas de Santa Maria, a instituição de ensino tem 154 alunos da pré-escola ao 8º ano. A maioria deles pertence a famílias da Vila Jardim, onde fica o Beco do Beijo, local historicamente, segundo a BM e a Polícia Civil, com alto índice de crimes, entre os quais, o tráfico de drogas.
Pois, toda a quarta-feira, o soldado Diego Francisco Farias Garin ministra aulas para turmas do 2º, 5º e 7º anos. Na aula do dia 31 de maio, cerca de 15 alunos, com idades entre 11 e 13 anos, estavam empolgados:
– Garin, não estou achando – disse uma aluna do 5º ano, tentando cumprir o desafio proposto pelo instrutor no caça-palavras.
Para cada turma, há um tipo de material em que o conteúdo é apresentado com visual próprio e atrativo para as diferentes faixas etárias. Nas séries iniciais, os pequenos aprendem os números de emergência, por exemplo, por meio de desenhos e cartazes. Na faixa intermediária, o aprendizado pode vir com exemplos mostrados em vídeos.
Nas séries finais, são feitos debates com base em material em formato de revista e nas questões trazidas pelos próprios estudantes. As percepções de crianças e de adolescentes também são diferentes. Enquanto, no 2º ano, a resposta é mais rápida, no 7º, a conversa é mais franca, conta o soldado. Mas os assuntos abordados são os mesmos: resistência à violência e ao uso de drogas, a quem pedir ajuda e as maneiras de relatar os casos para professores e autoridades.
Ideia de repressão
Ainda conforme Garin, os adolescentes trazem as suas experiências e, em geral, têm massificada a parte da polícia repressiva. Mas o fato de ter um policial militar ouvindo-os e questionando-os sobre as opções que têm diante das situações faz com que eles pensem nas opções e nas escolhas. Esse é um dos objetivos.
– Eles trazem a realidade do dia a dia deles. Contam que viram um pé na porta da polícia na casa de um vizinho ou que a polícia levou um parente preso. Mas, esses dias, pararam uma viatura que estava na rua e pediram para tirar uma foto com os policiais. Isso mostra que o gelo já foi quebrado – diz o instrutor.
Neste semestre, o Proerd está sendo desenvolvido em 39 escolas da cidade, atendendo 797 alunos.
Contexto de parte dos alunos é de violência em casa e nas ruas
A diretora da Escola Municipal Renato Nocchi Zimmermann, Ana Cristina Krauspenhar Eggres, confirma o interesse dos alunos e diz que o convívio com o policial sobressaiu à resistência inicial em relação à polícia:
– A polícia, para eles, sempre foi algo muito negativo. Noto que, agora, eles adoram o Proerd. Parece que, nesses dias em que o policial está aqui, a escola ganha outro clima. Queremos trabalhar esse lado, eles têm que saber que a polícia é uma proteção.
A gestora conta que ter o Proerd na escola era um desejo antigo. Isso porque, segundo ela, 70% dos alunos têm algum parente com histórico de violência ou envolvendo a criminalidade.
– Nossa maior clientela é do Beco do Beijo e vive em acentuada vulnerabilidade social. Eles vêm com muitos problemas. Há duas semanas (meados de maio), uma menina chegou drogada na escola. Fomos levá-la em casa achando que teria a proteção da família, mas a mãe estava pior do que ela. A gente se choca com isso. Desde o ano passado, tentávamos trazer o Proerd para a escola porque a concepção que os alunos tinham era de que a polícia era do mal e que os bandidos eram do bem.
Polícia e comunidade
Segundo o capitão Alexandre Pires Lacerda, comandante do 3º Esquadrão da BM, responsável pelo policiamento na Região Leste, a intenção é desmistificar a imagem que as pessoas da comunidade têm da polícia.
– O Beco do Beijo e adjacências sempre foram tratadas pelas polícias com repressão. Só que isso, por si só, não resolveu o problema das crianças em vulnerabilidade, as famílias assoladas pelas drogas e pela marginalização. Então, concluímos que tínhamos que usar outra ferramenta, sem deixar de reprimir, mas atuando na prevenção. Infelizmente, temos uma geração de adultos que é muito difícil de corrigir por diversos motivos: sistema carcerário ineficiente, legislação ultrapassada. Qual a nossa aposta? É atuar junto às crianças porque conseguimos resgatá-las. É formar a geração futura para que não se tornem adultos como os pais deles, presos por tráfico, roubo, furto, homicídios… Mas a polícia sozinha não vai conseguir mudar toda essa concepção social se as famílias dessas crianças não tiverem apoio social e de geração de trabalho, ou seja, a engrenagem estatal tem que funcionar junto – avaliou o capitão Lacerda.
A ideia é, depois de solidificado o trabalho com os alunos, implementar o Proerd Pais, no qual os policiais ministram palestras e desenvolvem atividades com os pais dos estudantes.