Projetos polêmicos estão por trás de revolta do Judiciário com o Executivo

Relação entre os chefes dos poderes Executivo e Judiciário ficou abalada após divulgação de nota oficial  Foto: Luiz Chaves / Divulgação
Relação entre os chefes dos poderes Executivo e Judiciário ficou abalada após divulgação de nota oficial
Foto: Luiz Chaves / Divulgação

Integrantes do Piratini atribuem nota do presidente do TJ a propostas que atacariam supostos privilégios das carreiras jurídicas 

Às voltas com as costuras políticas para a convocação extraordinária desta segunda-feira na Assembleia, o governo Sartori foi pego de surpresa pela nota oficial divulgada no Natal pelo presidente do Tribunal de Justiça, José Aquino Flôres de Camargo. Integrantes da cúpula do Piratini atribuíram o tom crítico do texto ao teor de três propostas que estão na pauta da sessão: a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, o fim da licença-prêmio e a ampliação da transparência na divulgação dos salários dos servidores públicos (entre eles, juízes e desembargadores).

Na interpretação do governo, o Judiciário está incomodado com a ofensiva de Sartori a privilégios do funcionalismo. Se as propostas forem aprovadas, o tribunal será um dos afetados pelo freio imposto pela lei de responsabilidade a gastos com custeio e pessoal. Nos bastidores da Corte, os desembargadores acreditam que o projeto é inconstitucional porque fere a autonomia dos poderes.

Já a transformação da licença-prêmio em licença-capacitação é vista de maneira negativa por afetar um benefício consagrado das carreiras jurídicas. Hoje, a cada cinco anos trabalhados, são concedidos três meses de licença remunerada. Se a proposta de emenda à Constituição for aprovada, o afastamento somente ocorrerá se o funcionário público for dedicar os três meses a algum curso de capacitação. Como mexe na Constituição estadual, à qual estão sujeitos todos os servidores, a medida afeta todos os integrantes de carreiras públicas.

Integrantes do Judiciário admitem que a lei de responsabilidade e a PEC da licença-prêmio estão, sim, no centro da revolta do presidente da Corte, junto com a demora da Assembleia em votar o reajuste dos servidores do órgão. Porém, negam que a ampliação da transparência com salários seja um problema.

— O tribunal divulga as suas informações há muito tempo. Todos sabem quanto um juiz ganha. As divergências e discussões fazem parte do regime democrático — pondera o presidente do Conselho de Comunicação do TJ, desembargador Túlio Martins.
Outro problema citado nos bastidores é a falta de diálogo com o governo. A reclamação tem sido constante, principalmente por parte de entidades de classe.

— A nossa insatisfação é com a falta de abertura para o diálogo. É um governo sem políticas definidas e que quer ditar o que os outros poderes têm de fazer — critica o presidente da Ajuris, Eugênio Couto Terra.

Em nota, Sartori responde críticas do presidente do Poder Judiciário

Governador voltou a pregar unidade e a sugerir que a sociedade deve estar acima de interesses isolados

O governo José Ivo Sartori publicou, neste domingo, nota oficial para rebater críticas do presidente do Tribunal de Justiça, José Aquino Flôres de Camargo.

Nos últimos dias de 2015, a tensão entre os poderes Executivo e Judiciário chegou ao seu ápice devido aos interesses distintos na condução dos rumos políticos e econômicos do Rio Grande do Sul.

No documento, Sartori responde em tom mais ameno se comparado às declarações de Aquino. No seu estilo, o governador voltou a pedir unidade e olhar pelo bem comum.

Em pelo menos um trecho, o Piratini sugere indiretamente que o Judiciário não pode colocar os seus interesses acima dos da sociedade e dos outros poderes.

“O protagonismo do Rio Grande do Sul é da sociedade, maior responsável pelo Estado produtivo e empreendedor que temos. E será por meio dela que iremos construir um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social. O setor público deve ser um facilitador, e não um obstáculo nesse caminho”, diz a nota.

No dia do Natal, Aquino, também por meio de nota, fez severas acusações contra o Palácio Piratini, que está obstruindo a pauta na Assembleia com a retirada de quórum na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para evitar a aprovação do projeto de lei que reajusta salários de servidores do TJ. Esse é o motivo da contenda: Aquino quer a aprovação dos aumentos, enquanto Sartori, apontando a crise e o fato de o caixa do Estado ser “um só”, trabalha pela estagnação da proposta.

Na carta, que soou como um rompimento, Aquino disse que o governo Sartori está “sem projeto de crescimento econômico e social e que insiste na política de desvalorizar seu manancial humano”.

O presidente do TJ ainda concluiu dizendo que “a ética na vida política exige lealdade e transparência, abolindo práticas surradas, que nada combinam com a forma franca e direta que deve presidir as relações de Estado”.

A nota de resposta do governo Sartori se torna pública um dia antes de a Assembleia se reunir nesta segunda-feira, atendendo convocação extraordinária do Palácio Piratini, para votar um pacote de 30 projetos de lei, sendo 26 deles de autoria do Executivo. Na sexta fase do ajuste fiscal, constam propostas de controle de gastos e supressão de benefícios de servidores, como a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual e o fim da licença-prêmio, que será substituída pela licença-capacitação.

Leia na íntegra a nota do governo do Rio Grande do Sul

NOTA À IMPRENSA

Em relação à nota do Des. José Aquino Flôres de Camargo, presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Governo do Estado:

– Recebe a manifestação dentro do espírito altivo que sempre pautou as relações entre os poderes, compreendendo a necessidade de o atual presidente posicionar-se politicamente perante os integrantes do poder que comanda;

– Reitera que continuará desempenhando sua função, delegada pela população, de defender o bem comum, com foco especialmente naqueles que mais precisam. Mudanças geram contrariedades, mas é inadiável a tarefa de recuperar a sustentabilidade do serviço público gaúcho;

– A Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual (LRFE) é um marco nesse sentido, pois foca na sociedade e nas áreas essenciais da saúde, segurança e educação. Além disso, protege todos os servidores públicos, que não podem mais passar pelo constrangimento de salários atrasados e falta de perspectiva na carreira;

– O Poder Executivo, ao apresentar novos projetos e convocar a Assembleia Legislativa, age absolutamente dentro de sua legitimidade constitucional e democrática. E assim fará sempre que julgar necessário. Alguns projetos tramitam há mais de seis meses. Caberá ao Parlamento, dentro de sua independência, deliberar a respeito;

– O protagonismo do Rio Grande do Sul é da sociedade, maior responsável pelo Estado produtivo e empreendedor que temos. E será por meio dela que iremos construir um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social. O setor público deve ser um facilitador, e não um obstáculo nesse caminho;

– A situação financeira do Estado está sendo tratada com verdade, de maneira transparente, aberta e dialogada. Para enfrentar esse desafio, é necessário um olhar abrangente e elevado, com a visão do todo, o que a sociedade gaúcha já está demonstrando.

– Precisamos cultivar a ética da unidade, da solidariedade e do espírito público para, assim, construir um novo futuro. Plantar hoje para colher amanhã. Todos pelo Rio Grande.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ZERO HORA