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Mulher no Batalhão de Choque de SP: como é a rotina dessas policiais – Comportamento – iG

Ali, a função é conter qualquer possível invasão a campo. Foto: Luis Augusto Ambar Fonte: Delas –

48 anos, avó e policial: um dia na rotina da mulher do Batalhão de Choque

Por iG Delas

Batom no rosto e arma na cintura. Assim é a rotina da policial feminina. Acompanhamos um dia de trabalho da equipe de “fox” em jogo de futebol

48 anos, mãe de dois filhos e avó de dois meninos. 38 anos e mãe de um bebê de 11 meses. Também mais de 40 anos e última decisão de Campeonato Brasileiro. Essas são algumas das mulheres do Batalhão de Choque. Em instantes, elas deixam a Valdirene e a Patrícia de lado e viram a Cabo Mendes ou a Cabo Corrêa e muitas outras policiais.

Cabo Sandra na partida Palmeiras x Chapecoense. Ela faz parte do efetivo do 2º Batalhão de Choque
Aretha Martins Cabo Sandra na partida Palmeiras x Chapecoense. Ela faz parte do efetivo do 2º Batalhão de Choque
No 2º Batalhão de Choque são aproximadamente 700 policias, sendo 43 mulheres. Dessas, 22 fazem parte da tropa operacional, são aquelas que vão para as ruas de fato e cuidam de policiamento em eventos, como show ou jogos, CDC (Controle de Distúrbios Civis – como manifestações)  e escolta de pessoas e valores. A maioria é mãe, tem mais de 30 anos e bastante tempo de experiência. 

Cabo Sandra
Luis Augusto Ambar Cabo Sandra
“Falam que sou muito tranquila em casa, mas viro outra pessoa quando visto a farda e faço coisas que muitas mulheres não fazem e acho isso bacana. Tenho que trocar tiro com o ladrão e voltar para casa e fazer um arroz e feijão”, comenta a Cabo Sandra. Sem farda ela é Sandra Regina Manarim, aquela citada no título desta reportagem.

Aos 48 anos, ela já tem 19 só no Batalhão de Choque e fez no domingo (27) sua última partida decisiva de um Campeonato Brasileiro. Ela estava na tropa que fez a segurança no jogo Palmeiras x Chapecoense e acompanhamos o trabalho dela e de outras mulheres de farda. Faltam seis meses se aposentar e, no ano que vem, ela estará nos estádios apenas como mais uma torcedora.

 Sandra ingressou na Polícia aos 19 anos. “Acho que a gente vive muito para ajudar as pessoas, sempre tive muito disso. É uma profissão muito gratificante. E também sempre gostei de muita ação. Além disso, acho muito bonito a policial feminina”, explica.

Homem x mulheres

Ela começou o trabalho em uma função administrativa na Assembleia Legislativa. Lá, usava cabelos curtos e o uniforme era saia. Em 1998, entrou para o Choque, um local tipicamente masculino.

“Foi difícil eles aceitarem. Fui muito julgada. Cheguei, me apresentei de saia e já choquei. Senti gente olhando torto. A aceitação, para eles, acho que foi difícil. Para mim, não foi porque já estava acostumada a trabalhar com homem. Para eles, aceitar a mulher em um batalhão que tem tradição masculina foi mais complicado”, lembra.

Cabo Justra também é uma das policiais que está perto da aposentadoria
Luis Augusto Ambar Cabo Justra também é uma das policiais que está perto da aposentadoria

“O homem, muitas vezes, não admite ter uma mulher fazendo a mesma função dele. E a gente quer se destacar e muitas vezes é até mais empenhada naquilo que faz. A gente foi aceita, mas em toda profissão acho que é difícil para a mulher. Ainda mais que a gente ganha igual a eles, não temos diferença de salário. E a gente trabalha igual”, detalha. “A sociedade é a mesma, para policial ou civil”, completa a Sargento Andressa.

O clima, entretanto, mudou no batalhão. “Com a mulher por aqui muda o comportamento, as brincadeiras, tem que ter respeito. Mas agora já acostumaram e até esquecem que tem mulher no meio. Já virou rotina”, compara Sandra.

“A mulher traz um ambiente mais agradável, cuida mais de certos detalhes que o homem acaba nem enxergando. O homem trata todo mundo igual e a mulher tem um feeling no trato com o público”, comenta o Sargento Assis.

Ao trabalho

As mulheres atuam ao lado dos homens, seja para conter uma multidão em uma manifestação ou para fazer a revista de outras mulheres na entrada de um jogo de futebol. No domingo, Sandra e as policias foram escaladas para o jogo que daria o título do Brasileirão ao Palmeiras. “Temos hora para chegar, mas não para sair”, brinca.

O dia começou às 10h30, com a chegada ao Batalhão. No alojamento, as mulheres deixam os trajes civis e vestem a farda e colocam a maquiagem. “Quando atuamos na praça esportiva temos de ser femininas, vamos trabalhar com outras mulheres”, comenta Cabo Simone, companheira de Sandra no 2º BP Choque. Elas capricham no visual com batom, sombra e chapinha no cabelo, mesmo sabendo que vão passar o dia inteiro de capacete. “Mesmo assim, tem que ser mulher e se cuidar”, brinca Simone, que ainda completa aos risos ao ver a nossa câmera apontada para ela: “Ah, deixa tira a foto depois. Estou terminando ainda o cabelo”.

Cabo Simone finalizando a maquiagem
Aretha Martins Cabo Simone finalizando a maquiagem
O ambiente é descontraído e de muita brincadeira, afinal, algumas estão há mais de 15 anos trabalhando juntas. E nos armários, momento coruja com fotos da família, dos filhos e dos netos. 

Mãe, avó… todas tem um ritual comum. Chegam ao batalhão e deixam a arma no armário e se preparam para o dia.”É para ir ao shopping, para a manicure, andamos armada todo o tempo”, fala Sandra.

“Não sei se dá segurança, mas já penso em tudo que pode acontecer. E se não estiver armada e passar por alguma situação, vou falar que poderia ter prendido o cara. Mas tem o outro lado porque poderia estar armada e virar o alvo. É muito relativo. Quando saio com meu neto para ir ao parque, não posso ir armada porque pode ser um risco para ele. Ando armada sozinha ou com meus filhos, que são adultos”, continua a cabo.

No alojamento, elas vestem a farda e separam o equipamento. “Arma, algema, celular, gás e uma lanterna. Esse é o básico. No estádio completamos capacete branco e bastão”, lista.

Depois, todos os policias se reúnem no pátio, recebem instruções do capitão e seguem para o evento. Eles devem chegar quatro horas antes do início do jogo. Nossa reportagem acompanhou todo a atuação da “fox”, como é chamada a policial feminina, guiada por Sandra.

Por lá, o trabalho é direto com o público, seja para revista nos portões ou, durante a partida, com a patrulha nas arquibancadas, como foi a tarefa de Sandra. Para ela, esse trabalho mostra a diferença de comportamento entre homens e mulheres, já que é uma atuação individual do policial com o torcedor. Ser mãe, segundo a cabo, muda a postura: “A gente tem que ser um pouco maleável. Não pode entrar com vidro, mas a criança toma remédio, por exemplo. Também sempre tenta orientar, dizendo que aquele clássico pode não ser um momento para trazer criança pequena, para evitar tumultos”.

No jogo, Sandra teve um momento desses que o lado mãe apareceu. Um dos garotinhos que iria entrar com a equipe do Palmeiras em campo se atrasou e começou a chorar. Ela estava na patrulha quando o encontrou com o pai. Depois de um pouco de conversa, ela conseguiu levar o garoto ao local correto e ele foi para campo com os jogadores.

Entretanto, se o trabalho for no pelotão de choque, todos precisam atuar juntos, sob o comando do superior. “Na praça desportiva, lida direto com o público, é mais comunicativo. E atua sozinho, cada um tem que saber qual a atitude. Já no CDC é um grupo e por comando, não tem meio termo”, compara.

Mulheres atuam ao lado dos homens para conter tumultos ao redor do estádio
Aretha Martins Mulheres atuam ao lado dos homens para conter tumultos ao redor do estádio
Ser mãe

Se a maternidade influencia nas atitudes de uma policial, o trabalho também reflete no comportamento da mãe. “Já fui para rebelião e vi jovens e menores fazendo coisas bem graves, matando, e depois tive que chegar em casa e explicar tudo isso para os meus filhos porque eu não quero que eles sigam isso”, fala Sandra, que tem um filho de 25 e outro de 22 anos e dois netos, um de 4 e outro de 1 ano.

Armário da Cabo Sandra no alojamento no Batalhão
Aretha Martins Armário da Cabo Sandra no alojamento no Batalhão
“Acho que a gente fica mais cuidadosa ainda. Sou uma mãe muito mais preocupada. Pego muito no pé deles e, até hoje, eles falam que sou ‘car system’. Sou muito controladora, principalmente em relação a horário. Se falam que vão chegar tal hora, essa hora eu e meu marido ficamos na sala esperando. Só de saber que somos policiais, somos alvo”, conta ela, que é casada com um policial do Choque aposentado.

Cabo Mendes, de 38 anos, também é mãe, e é a que teve filho a menos tempo no batalhão. Miguel tem apenas 11 meses. “Tenho que deixar em casa e vir para cá. Aperta demais! Fico o tempo todo vendo foto, vídeo dele. Só de falar dá até vontade de chorar”, diz, em momento de Valdirene.

“Costumo dizer que tenho um botãozinho. Desligo a mãe e ligo a policial. A gente muda, o semblante muda, a atitude muda. A gente pede proteção de Deus e vai embora. Só faltam 10 anos para eu me aposentar e 10 anos passam rápido”, afirma.

Entretanto, em alguns momentos a Valdirene se mistura com a Cabo Mendes. Ela atuou no porte (revista dos torcedores) no portão A no jogo e quando a fila diminuia, pegava o celular do bolso para matar as saudades. “Tem horas que não aguento. Ligo o botãozinho de mãe, vou lá dar uma olhada em uma foto, e volto a ser policial. Meu Miguelzinho é lindo”, derrete-se.

Cabo Mendes no trabalho no porte. Sem a farda, ela vive o papel de mãe
Aretha Martins Cabo Mendes no trabalho no porte. Sem a farda, ela vive o papel de mãe
Fim do dia

O trabalho no jogo acabou por volta de 22h. Depois da partida, os policiais esperam a saída de todos do estádio. O efetivo volta ao Batalhão e de lá, é liberado. Foi o fim de jornada de anos de trabalho em jogos do Brasileirão para a cabo. Segunda-feira foi dia de folga. Para Sandra, momento de curtir a família e os netos.

“Aos 20 anos fui mãe e, aos 24, fui mãe de novo. Estava nova na Polícia e tinha que viver mais para o trabalho. Agora, na minha folga eu me dedico bastante à família. Esqueço o que é ser policial militar e sou uma avó. Agora estou podendo curtir mais os meus netinhos do que meus próprios filhos”, fala a integrante do 2º Batalhão de Choque.

Mulheres que atuaram no porte no portão A no jogo Palmeiras x Chapecoense
Aretha Martins Mulheres que atuaram no porte no portão A no jogo Palmeiras x Chapecoense

*As imagens e entrevistas desta reportagem foram feitas no último jogo da equipe da Chapecoense, sem ter ideia que estava por vir. Pouco dias depois, o avião que levava o time e jornalistas para a primeira partida da final da Copa Sul-Americana caiu, um uma tragédia que comoveu a todos. Com esse registro, fica a nossa homenagem à memória dos jogadores do time de Chapecó e colegas da imprensa. #ForçaChape

Fonte: Delas – iG 

 

 

Em 2015  JORNAL ZERO HORA

Primeira mulher a alcançar o oficialiato no 1º Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, em Porto Alegre

Diogo Olivier: a braçadeira é de Michele, a capitã que agora trabalha em jogos de Inter e Grêmio

Ela é a primeira mulher a alcançar o oficialiato no 1º Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, em Porto Alegre

Por: Diogo Olivier

Ela não é Nascimento como o do cinema, eternizado na telona pelo ator Wagner Moura. Mas tão capitão quanto ele. Ou melhor, capitã. Gaúcha de Santa Maria, advogada, 36 anos, dançarina de jazz, solteira, sem namorado, treinada em artes marciais combinadas, falante mas capaz se esquivar de temas nos quais boca fechada é sabedoria, Michele Maria Sagin da Silva é a primeira mulher a alcançar o oficialiato no 1º Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, em Porto Alegre.

Acostumou-se a esfarelar paradigmas. Entrar para o BOE, onde é preciso combinar tirocínio, fortaleza psicológica e potência física – esta uma virtude quase nunca associada a mulheres bonitas como ela – é apenas o mais expressivo. Mas há outros, prosaicos, que a gente nem imagina. Arrumar um jeito de aprisionar as longas madeixas cacheadas dentro do capacete é um deles. Diziam que teria de cortar o cabelo. Não cortou. Segue as regras de corporação no uso de maquiagem suave para os olhos verdes amendoados. Pois a capitã agora trabalha em jogos de Inter e Grêmio.

A qualquer momento pode ser requisitada a atuar no corpo-a-corpo destas badernas de organizadas, cujas rixas já produziram mortes e depredação. “Se tiver que entrar, eu entro. Se o sujeito perceber que tu sabe, e eu sei, pode apostar que eu sei, ele recua na hora. Sou treinado. É só focar na técnica, não tem mistério”. Eu é que não vou duvidar da dona da braçadeira.

É mais difícil para uma mulher entrar no BOE?
O que eu mais ouvia era: “você vai ficar na parte física”. Eu me entreguei de corpo e alma ao Curso de Especialização em Operações de Choque. Foram 45 dias intensos. Você faz tudo de colete, capacete, o equipamento do dia-a-dia. Sem condicionamento de longa data, não entra. Mas além da força física e mental, é crucial a determinação. Trata-se de quebrar paradigmas. Era o meu sonho, desde que me formei em Direito. Lutei muito para estar onde estou, nestes 9 anos de corporação e dois na Academia de Polícia.

Você está falando de machismo?
A sociedade é machista. O Rio Grande do Sul, mais ainda. Mas já não é como antes. E tem também o lado do conformismo da própria mulher, que termina sendo levada sempre para o lado da gestão, da administração, em vez do trabalho físico que exige embate? Por que não pode? Pode, sim.

Tem vestiário feminino para você no BOE?
Não, pois sou a primeira mulher. Mas fico no alojamento das mulheres praças sem o menor problema. Somos uma equipe, e elas também são pioneiras. No futuro, com mais mulheres oficiais, certamente construirão um. É o que te falo, dos paradigmas.

E as piadinhas machistas?
Nunca ouvi na BM, mesmo no comando (Michele chefiou a terceira seção do 2º BOE de Santa Maria; o 4º Pelotão da 1ª Companhia do 7º BPM em Crissiumal e, no 15º BPM, esteve à frente da Companhia de Operações Especiais). É uma questão de postura. Sou muito profissional. A conduta no BOE é rígida e respeitosa para todos. É bem tranquilo.

E estar cara-a-cara com a violência dos barra-bravas?
Já atuei em jogos, de prontidão. Sou combatente. Se tiver de entrar no estádio para resolver alguma confusão, eu entro e não tem conversa. Se o sujeito perceber que tu sabe o que está fazendo, e eu sei, ele recua. Nunca tive problema com isso por ser mulher. É uma questão de técnica, de treinamento. Você vai lá e faz.

Não dá medo?
(Risos) Tá falando sério?

Para que time você torce?
(Mais risos) Brigada Futebol Clube.

Aonde a capitã Michele quer chegar?
O meu sonho está realizado. Já tive convites para outras funções, algumas administrativas (Michele tem especializações em direito processual civil e direito constitucional aplicado, integrou a assessoria jurídica do Comando Geral da BM e fez o curso de contra-inteligência da BM), mas não quero. Eu quero o BOE. O que vier agora é lucro, mas que venha naturalmente.

*ZHESPORTES